18 e 19 Abril 2009

Este fim-de-semana fiz um curso de condução em terreno difícil enquadrado na preparação da Viagem. Todos os participantes estiveram presentes para treinar e também para nos conhecermos melhor. Aqui fica o relato.

Luta na lama
Após um pequeno percalço no sábado de manhã (coisas de gaja) só consegui sair de Lisboa pelas 8H da manhã. Já atrasada, lá fui a caminho de Ponte de Sôr para o curso de preparação e ainda mais me atrasei pois tinha uns pneus de taco, novinhos em folha, cheiinhos de goma, para fazer quase duas centenas de km debaixo de chuva. E como ela caía. Bom lá consegui chegar, com um road book feito na véspera, em post-it amarelos com as principais localidades e estradas em que teria de passar. Uma hora mais tarde que o previsto cheguei ao desvio para o Monte no Alentejo, estrada de cascalho que não acabava e nunca mais via o raio do ponto de chegada. Bom, mas cheguei e deparei com uma dezena de caras espantadas pois já não acreditavam que eu iria, com aquele temporal cinzento e frio.

Estavam todos debaixo de um telheiro, numa aula teórica à espera que a chuva abrande. E lá fiquei a ouvir dicas sobre a posição em cima da moto, como posicionar as pernas, os braços, a diferença na altura do guiador, o quê e o porquê do equilíbrio e segurança. Aprendi a encontrar o ponto de equilíbrio da moto, e a segurá-la apenas com a patilha do tampão do depósito – sim meus caros, dancei à volta da moto só a prender a dita patilha (sem o descanso). Aprendi finalmente a por o descanso central sem fazer força nenhuma, aprendi a conhecer a dinâmica da moto.

Depois … bem depois todas as motos foram ao chão (não sem antes um belíssimo pormenor requintado de aparecerem umas esponjas no chão para as motitas não se magoarem) e vai de levantá-las. Sabiam que há formas de levantar a moto para pessoas altas e pessoas baixas? Bom, eu levantei a minha do chão por três vezes, não forcei as costas, não tive dificuldade … fantástico. Fiquei convencida que era muito forte

Mais truques, mais informação, mais experiências durante o resto da manhã, fase bem difícil pois ali ao lado estavam a preparar uma bela churrascada, cada vez mais cheirosa, mais tostadinha e aqueles tipos não paravam de dar instruções. Finalmente o responsável do Monte lá veio ralhar a dizer que já passava das duas e que o almoço estava pronto e que arrefecia e que estes malvados nem fome tinham.

Esperava-se que de tarde a chuva acalmasse, mas o raio do S. Pedro estava com vontade de gozar connosco. Ele e os instrutores que não tiveram pena nenhuma nossa e ainda disseram que assim era mais divertido. Enchouriçada com o fato, as protecções e o impermeável, lá fui atrás deles, os instrutores desertinhos por ir para a terra, os alunos expectantes do que iria acontecer.

E o milagre aconteceu. Para aperitivo, uma descida cheia de regos de água direitinha a um areal ensopado, passagem por uma estrada cheia de vacas, de lama, de poças de água gigantes, o Pantanal como lhe chamavam. E começou o curso prático. Nesta altura já o Azevinho tinha adivinhado que a Kota estava aterrada. Pacientemente deslocou-me do pelotão para não atrasar o Grupo e deu-me o raspanete … bem, não foi bem a ralhar... foi mais a dizer o que se ia passar. Quais as condições do caminho que íamos fazer, os obstáculos que vamos encontrar, como a moto se vai comportar e como nós devemos fazer para passar e como controlar a situação, a forma de aceleração, de travagem, de manusear a embraiagem. E a Kota lá foi atrás dele, por aqueles maus caminhos, a praticar situações, a ultrapassar obstáculos. De vez em quando cruzávamos com o Grupo, liderado pelo Martins que não parava de explicar as situações, de dar exercícios. O Homem parecia um palito eléctrico, para a frente e para trás, conseguia ver todos e controlar todos. E o Grupo dos 8 desgraçados lá ia, sempre de pé em cima da moto (nota importante à partida foi a proibição de sentar o rabito no assento). Discretamente, mais três exploradores acompanhavam o pelotão dos sempre-em-pé, a vigiar, a dar conselhos.

E a chuva não parou nem os explorers pararam. Não estamos aqui para ver a paisagem, estamos cá para explorar os nossos limites, para conhecer as motos, para nos fundirmos com as máquinas, para traçar objectivos e chegar lá!

E aprendi numa tarde o que iria demorar uns bons anos a saber. Ao fim de um par de horas já andava de pé em cima da moto, coisa estranha para mim mas que conclui ser mais fácil que andar sentada. Consegue-se vislumbrar melhor o caminho, o que está para lá das lombas e descidas, segurar melhor a moto e deixá-la dançar à vontade sem me levar por arrasto.

Como a coisa estava a correr bem e o Azevedo estava entusiasmado com o meu progresso passámos à fase seguinte.

- Tens problemas com as descidas, não é?
- Pois, tenho um bocadinho de vertigens ..
- Então vamos lá tratar disso.

Rumo a um areal onde tinham preparado uma pista de preparação, subimos à parte mais alta e …. Uma bela de uma rampa, toda em areia fofa e molhada, 45 graus de inclinação, explicação de como se faz e vamos por ali abaixo. E fui, e fui e fui até sentir que aquilo era um passeio pelas montras em época de saldos. Fácil e divertido.

Ah é fácil, então continuemos. Um pouco mais ao lado, outra rampa, maior e mais extensa e que acabava numa curva fechada. Desta vez a técnica era outra. Explicação da praxe e lá vai a desgraçada por ali abaixo a pensar que se ia espetar no meio das vacas. Mas não, acabei a fazer a curva e a dar a volta e a subir e a descer de novo, qual carrossel de feira. Nem eu queria acreditar. É fantástico como ouvir e entender a técnica ajuda tanto a chegar ao destino.

O meu instrutor não parava de ter ideias para eu treinar. Salvou-me aparecer a turma dos malabaristas, todos de pé e com os pés trocados nos estribos, a levantar o braço esquerdo (o da embraiagem), a trocar de novo as pernas para cada lado da moto, alinhadinhos uns atrás dos outros qual manada de bebes elefante a seguir as instruções à risca. Ficamos por ali a vê-los atolarem-se na areia, a sair de lá em cima da moto, com a moto à mão, eu sei lá o que eles fizeram. Parece que estava no circo. Aquilo já era demais para mim, que não tenho experiência nenhuma em off road. A única coisa em comum era o entusiasmo que se estampava na cara de cada um e também na minha.


30 segundos de pausa e vamos lá continuar que isto não é para passear. Lá seguimos todos, de pé claro, para mais uma voltinha à pista, a única transitável no meio daquela chuva permanente que já tinha ensopado ainda mais o Pantanal, ou melhor, dois rios de água paralelos que diziam ser um caminho.

Ao por do sol comuniquei ao meu caríssimo instrutor que estava nas lonas. Não dava mais. Doía-me o corpo todo, estava ensopada e as forças já tinham sido gastas até ao limite. Prontos vamos lá então para a estalagem, não sem antes passarmos por mais umas vielas e becos de natureza mas desta vez já com a ideia de uma banheira e uma camita para descansar.

Nota: Infelizmente, com aquela chuva toda, não foi possível tirar fotos para atestar as minhas vitórias

Eu tive folga mas os bravos não. Ainda foram dar uma voltinha, para abrir o apetite, por montes e vales, atravessaram o rio (parece que a água dava pelo meio do motor) e ainda subiram uma rampinha de quase 90 graus, só para aconchegar a adrenalina. Chegaram exaustos, contentes e cobertos de lama até às orelhas.
À noite, depois de jantar, um briefing sobre os malabarismos do dia e uma pequena perspectiva do martírio do dia seguinte. Ainda bem que eu estava completamente ensonada e não ouvi uma boa parte do programa de Domingo. Senão acho que tinha voltado para casa, mesmo a meio da noite.

O dia seguinte
Um sol radioso entrou pela janela. Convidava para ir para a piscina, para molengar nas esteiras penduradas no alpendre ou para pastar nas cadeiras do terraço. Mas não, a inquisição estava à espera para mais uma sessão de treinos para quasi-veteranos de guerras de pó e pedras.

Nunca vi pessoas tão motivadas e arrebatadas por partilhar os prazeres da descoberta de novos rumos em pistas impossíveis. Reunião de bravos e aí vão eles. Durante a noite a terra tinha secado um pouco o que tornava os caminhos mais transitáveis (se é que se podem designar assim mas não me ocorre outro termo) o que nos poupou ao banho de lama do dia anterior.

Pelotão reunido e vai verdasca (termo utilizado pelos praticantes deste desporto radical e que para mim significa tortura muscular e alta probabilidade de partir os acessórios da moto). Logo para aperitivo tínhamos de passar para o outro lado do rio, um rio com água que deva pelo motor, com uma laje de pedra no meio do rio e areia na margem de lá. Um horror!


Por uma pista ainda mais difícil que a do dia anterior, andámos umas dezenas de km por montes e vales, por caminhos rurais que nem caminhos se podem chamar. Eu só via subidas e descidas e a concentração era tentar descortinar um bocadinho de piso por onde passar. Era mato e pinheiros, eucaliptos e regos, pedras e camas de folhas e troncos. Finalmente chegámos a uns centímetros de terreno mais direito e passámos a manhã a fazer um sem número de exercícios.

Meia dúzia de pins encostadinhos uns aos outros, e vamos lá zig-zagear por entre eles, dar a volta ao monte (sim porque até onde o diabo perdeu as botas há regras de trânsito e sentidos obrigatórios) e mais voltinhas aos pins e depois rodar entre eles, num sentido e no outro, só que o último já estava empoleirado na descida e a voltinha implicava um equilíbrio quase impossível. Assim, aprende-se a controlar a moto, a distribuir os pesos e, principalmente, percebemos que há situações em que por mais que se rode o guiador, não há forma de virar. Só mesmo com a técnica da distribuição das forças e do equilíbrio.

Como o pessoal já se estava a habituar a terreno duro, vamos lá diversificar o tour e rumar a um areal extenso e bem fofinho para derrapar pelas subidas, atolar a moto na areia, treinar recuperação nas subidas e ainda virar a moto no meio da ravina. Já parecia um croquete de areia, suada e cansada, mas motivada pois nunca pensei conseguir fazer tal proeza.


Partimos para mais uma descoberta de uns milímetros de terreno mais direitinho e eis que parámos numa auto-estrada (naquela altura qualquer estradão mais decente me parecia uma pista de aeroporto) … mas não, era apenas o instrutor-mor a consultar no GPS o trilho seguinte. Pronto, lá fui eu atrás da turma dos garotos saltitantes sempre-em-pé para mais uns exercícios de treino de travagens, travão da frente até quase bloquear, travão de trás até quase cair, travões a fundo a ver quem conseguia travar no mais curto espaço (pudera, logo à frente havia três eucaliptos ameaçadores a prometer umas férias compulsivas).

Só quando os estômagos estavam a sair pelas costas é que lá se lembraram que eram horas de almoço, isto já perto das três da tarde. Mas para sair dali tínhamos de enfrentar de novo a pistazita marota e atravessar de novo o rio. Cheguei ao Monte convicta de que para mim, o treino estava acabado. O treino e eu que já não sentia os músculos, já não sentia que tinha estômago e já nem sentia que estava viva.

Arrastei-me até à mesa do almoço e chamei as últimas forças para conseguir manusear os talheres, missão quase impossível não fosse o cheirinho apetitoso do bacalhau com natas. Quando dou por mim, estavam todos de pé a prepararem-se para mais uns exercícios, faltava ainda ensinar uns pormenores. Mas o meu grande pormenor foi enfiar a tralha na top-case (difícil pois tinha de lá caber o fato de chuva e o espaço era curto). Despedi-me dos bravos e parti rumo a casa.

Não me lembro bem da viagem de regresso mas pareceu-me curta, lembro-me vir na estrada a 120 km/h com pneus de taco (afinal não sinto grande diferença para os pneus de estrada), lembro-me que as curvas são mais fáceis, até me pus de pé na moto para espreitar por cima de umas lombas de estrada. Tudo isto de forma natural, sem esforço.



4 comentários:

  1. Bom relato Paula.

    Parece que temos cronista da viagem!



    CF

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  2. Miuda,

    Não interessa mais nada, só para dizer, "espectacular", mereces tudo de bom.

    Que a viagem seja memorável.

    Beijos
    CL

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  3. Obrigada Paula,

    Por toda a coragem e incentivo que nos contagia.
    Continue,

    Malcom

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  4. Paula
    estou agora a iniciar o meu percurso de viagens em africa, e ao ler-te, revejo os meus medos iniciais, as victorias de cada etapa de aprendizagem, as emoções, os cheiros, as cores...
    minha alma gémea, mas mais linda.
    Não resisto... por por um link do teu blog na minha arca de recordações http://paulogavino.blogspot.com

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