14 de Junho 2009 - Dia de descanso - Fim da Viagem
Depois de um bom banho que apenas aliviou por uns minutos pois rapidamente fiquei pegajosa de novo tal é o grau de humidade do ar, fomos almoçar. Depois do pequeno-almoço apenas beliscamos uns cajus que compramos na fila da barcaça, tinha o estômago colado às costas mas nem sentia fome, apenas um estado de carência que explodiu quando entramos na cervejaria Tamar, perto do Hotel. Devorámos a linguiça, os camarões cozidos, todo o pão que lá existia e o stock de manteiga.
Fomos dar uma volta a pé pelas imediações do Hotel, descemos até avistar o porto, passeamos pela avenida principal de Bissau e estacionamos na esplanada Baiana para uma bebida onde conversámos até ser noite. Em frente ao Hotel há o restaurante “O Porto”, também ele propriedade de um português e ponto de encontro luso, onde acabamos a noite a comer pregos.
Domingo de manhã, acordámos preguiçosos, tomamos o melhor pequeno-almoço da viagem e fomos à descoberta de Bissau. O Azevedo sabia de um mercado muito característico e lá fomos negociar táxis para todos. Por 400 CFA cada táxi, rumamos ao mercado de Bandi, ao cimo da avenida principal, junto à entrada da cidade. Entrei noutro mundo. A confusão era total. O mercado começa na estrada, estende-se aos passeios, entranha-se por toldos, casas e vielas. Por todo o lado há bancas de aglomerado com artigos expostos. Vende-se de tudo, mas tudo mesmo. Bancas de talho com nacos de carne cheios de moscas e pessoas a escolher o melhor bocado misturam-se no mesmo espaço com um especialista de manicura que tem meia dúzia de vernizes coloridos e uma garota de unhas compridas como cliente, bancas de legumes e de moscas cruzam com bancas de roupas coloridas e fatos de treino, ao lado de bancas de peixe e bocados de espinhas cheias de moscas e lojas com materiais de construção, baldes, cafeteiras, panelas e arames, banquetas com comprimidos azuis e outros elixires de potencia, mulheres com alguidares de cajus e frutas e moscas, sacos de arroz da Tailândia amontoados junto às paredes à mistura com sacos de fertilizante e químicos, moscas, carpinteiros a fazer portas e camas trabalhadas com torneados, muitas zonas de lojas cheias di-apa-re-lha-gem-di-som, te-le-move, al-ta-tec-nó-lo-gia, ri-ló-gios, tudo importado com marcas altamente orientais, música alta, muito alta, moscas, muita gente a vender, muita gente a comprar, é Domingo de manhã, dia de mercado.
As vendas entopem as ruas com estendais de artigos e lixo nas bermas, as vendas entram em espaços tapados que era suposto serem mercados oficiais mas que estão congestionados de negócio, há apenas uns corredores muito estreitos por onde as pessoas circulam, se alguém pára a ver uns artigos toda a fila de gente que vai atrás pára também, dá-se o caos de engarrafamento, o calor é sufocante. Entrámos e saímos de ruas e carreirinhos, fomos olhados com espanto, pisámos bocados de couve podre, enjoámos com o cheiro do peixe a secar, ensurdecemos com o despique da música mais alta, ora em praças destapadas ao sol, ora em vielas escuras, constantemente assaltados pelas moscas.
Já era tempo de acabar a visita. Vamos descansar até uma esplanada. Na falta de táxis e na falta de negociação de um preço razoável, fomos para a paragem do autocarro local chamado de toca-toca, um sistema de transporte urbano, empresarial, composto por carrinhas comerciais azuis Ford, Toyota, Mercedes e outras, esmurradas e ferrugentas, com bancos corridos nos lados, entra-se ou pela porta do fundo ou pela lateral e paga-se 100 CFA. Há dezenas delas a passar constantemente, avenida acima, avenida abaixo. Conseguimos convencer um a levar-nos directamente à esplanada Baiana, onde desembarcámos debaixo dos olhares espantados dos clientes ocidentais que têm altas máquinas de todo-o-terreno e da empregada que tira macacos do nariz enquanto atende os clientes e que depois de pagarmos passa a vida a dizer – não tem troco.
O calor era insuportável, a atmosfera com um grau de humidade impossível, estamos constantemente a transpirar, parece que está sempre prestes a chover. Após um almoço no restaurante frente ao Hotel, a tarde foi passada a vegetar por ali. Hoje é o regresso a casa, vou arrumar a tralha, ver o que levo comigo e o que tem de ir dentro do carro de apoio, dentro do contentor. Em Bissau é aconselhável fazer o check-in no aeroporto 4 horas antes do voo, pelo menos. Pedimos o apoio do Alexandre que conhece todos os procedimentos necessários. Lá fomos ao princípio da noite ao aeroporto para confirmar o lugar e despachar a bagagem. Mais uma experiência alucinante.
De boleia no carro de serviço do Hotel e acompanhados pelo funcionário já experiente nestas coisas, chegámos a um local ermo e escuro onde se avistava a luz de umas quantas lanternas – isto é o aeroporto???? Sim, daqui a pouco já vão ligar os geradores, disse o nosso acompanhante. Ao que parece, o aeroporto está normalmente fechado e só abre quando há voos. Tem um gerador para garantir o funcionamento pois não há energia eléctrica na cidade.
Frente à porta principal do aeroporto já se alinhavam três carrinhos de bagagem, em filinha, uma fila que começou a ser negociada. É que a entrada no aeroporto para o check-in é toda ela negociada com os funcionários da porta, o processo de check-in é moroso e complicado a as malas arriscam-se a ficar em terra e os últimos arriscam-se a perder o lugar no avião. Por isso há que fazer o check-in o mais cedo possível para garantir o lugar de volta a Portugal. Assim, os primeiros a entrar no aeroporto, tratar de despachar as malas e receber o bilhete são os que têm hipótese de entrar no avião, além do que é mais certo que as malas venham no mesmo avião. África é assim e para mim tudo isto foi uma novidade espantosa.
Curiosa com esta realidade, os meus sentidos estavam a trabalhar a 200%. O nosso acompanhante tratou de cumprimentar todos os funcionários importantes, dizer que “é mala di branco” e lá conseguiu também cumprimentar a alta individualidade do chefe dos guardas do aeroporto, um homem mais idoso, magro e ressequido que comandava a ordem da fila de entrada, atendia o telemóvel constantemente a prometer passes de entrada para quem queria vir esperar familiares e estava de plantão a barrar a porta e a verificar os passaportes. Eu e o Ricardo Azevedo tivemos o “privilégio” de entrar rapidamente e mais uma fila para verificar se estamos na lista de passageiros do avião. Uma lista impressa em papel contínuo, com a tinta esmorecida que obrigava o respectivo funcionário a iluminar a lista com uma lanterna adicional, não sei se pela fraca iluminação do aeroporto se pelo fraco domínio da arte da leitura e que teve a ajuda de uma moça a explicar que caso não conseguisse encontrar os nomes seria mais fácil ir pelo número da reserva, o qual estava por ordem.
Ao lado, a revista da bagagem, duas funcionárias que vasculhavam manualmente as malas dos passageiros, encostadas a um scanner moderno mas desligado. A única máquina que funcionava era a porta de detecção de metais que nem detectou a resma de chaves de casa que eu tinha no saco de depósito da moto que trazia a tiracolo. Numa banca estreita com um pequeno terminal de computador, o funcionário emitia os bilhetes à mão e os identificadores da bagagem, também eles manuscritos, após consultar a lista no monitor azul com letras brancas enormes. Lá fora a fila de passageiros aumentava, a confusão aumentava mas entravam um a um para não fazer confusão dentro do espaço de check-in, espaço que não devia ter mais de 25 por 10 metros. Fiquei sem saber se é uma triste realidade se é uma questão mais relacionada com a cultura dos povos.
Voltámos ao Hotel para jantar e fazer tempo até à uma da manhã, hora que regressámos ao aeroporto depois de sabermos que o avião estava atrasado. A sala de embarque é simples, tem cadeiras de madeira corridas e a um canto um free shop com produtos de artesanato alinhados no chão, lenços e vestidos de cores garridas pendurados na parede, uma banca cheias de colares e pulseiras de motivos tribais por onde passeava uma colónia de baratas mas onde os produtos são a metade do preço que nas bancas de rua para turistas. O avião chegou e estacionou tão encostado à vidraça da sala que abanou toda a estrutura.
Aterrei em Lisboa ao nascer da manhã, aterrei no trânsito da 2ª circular que me demorou mais tempo a chegar a casa que o tempo que demorou a fazer os 50 km de pista entre Varela e S. Domingos, aterrei na realidade.